segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Ao belo João

Gosto de tudo o que é belo, o corpo, a arte, a escrita, a moda, enfim, tudo que tem refinamento. Mas, por incrível que pareça, tem algo retrógrado nessa minha característica libriana, por mais que eu goste, eu não sou nada disso. Tenho consciência das minhas imperfeições, mas estas não me incomodam, nem me perturbam, são minhas, e eu sou todas. Para te fazer entender, vou esclarecer: não gosto de salão de beleza, centros de estética nunca entrei, quase não uso maquiagem, não sigo tendências de moda, não gosto de academia, saio sempre descabelada, minha prancha de cabelo vai fazer aniversário de um ano que não é usada, minhas unhas são quebradiças, por isso não insisto em fazê-las bonitas, ainda tenho espinhas, sou magra, tenho celulite e estrias (para minha alegria meu namorado me acha linda!).
E para piorar essa lista que não é taxativa, eu  me pego, no intervalo do almoço, exigindo a perfeição dos outros. Pode isso?! Vou explicar melhor. Venha comigo tentar entender as inqualificações do meu ser. Hoje no almoço vi um moço bonito, e os moços tão bonitos me doem, impertinentes como limões novos¹, mas esse me doeu mais pelo mau gosto com as escolhas e também pelo jeito de se comportar à mesa. Olhei para o prato de comida do moço e, que horror, que contraste, um rostinho bonito e tanta indelicadeza com as combinações alimentícias. Merecidamente desclassificado. Saliento que fome é outra coisa, é bonito de se ver a fome sendo saciada. Mas aquilo não era fome.  É sério. A comida parecia estar desesperada para não ser comida, era tanto desrespeito com as cores, sabores e centímetros do prato, que o moço passou de príncipe a sapo. Compreendo que você não está compreendendo esse texto, eu mesma não reconheço certas excentricidades que flutuam nessa mente, no entanto, justifico que o motivo é o espanto, o moço e o prato me espantaram, por isso é preciso escrever. A verdade é que, mesmo que pareça tolo, para mim, pior do que mau gosto com roupa, é mau gosto com comida. Disso eu não posso me queixar, pois João é todo refinamento, mas, claro, sem frescura e sem forçar nada, com naturalidade ele é o que é, nas palavras de Larinha.  O prato dele sempre tem harmonia, pode ser qualquer tipo de comida, da sofisticada a comida regional, João sempre sabe escolher as melhores combinações, a isso eu chamo Bom gosto! Vou deixar o moço de lado e falar do Homem. Ora, junto com o bom gosto, João têm muitas e tantas qualidades, mais importantes que as fisicamente importantes, qualidades de Ser. Ah, e são essas qualidades que aformoseiam um rosto, que deixam o corpo mais gostoso, que fazem a pele mais macia, que dão tesão, prazer, prazeres e descobertas até então inalcançáveis. No meu dicionário eu chamo isso de Beleza, quiçá Perfeição. E João, meu amor, se encaixa perfeitamente nesses requisitos particulares do meu manual. É bonito sem  o comum da palavra, é inteligente sem ter a pretensão de esgotar temas, é filósofo de aula-rua-e-bar, é generoso, gosta de música com letra e de criar letras no mundo da música, gosta de conversar e conhecer pessoas simples e ricas de sabedoria, é inconformado com o socialmente aceitável, compreende o meu silêncio e as inconsistências do meu sistema. Não menos importante, acrescento, João entende o singular código binário da vida, em que nada é verdade, nada é mentira, mas tudo acontece. Decifra-me sem precisar de subterfúgios. Faz do meu corpo poesia, pinta a pálida parede da minha sala, se borra, me borra, nos borramos, que é uma maneira de deixar sua presença na casa. Criamos nós nas cordas das certezas, para juntos desfazermos. E bebemos, bebemos e amamos até nos embriagarmos do desejo, desejo do corpo, da alegria, desejo da doce vida, que nem sempre é tão doce, mas que sempre nos fascina.





¹Trecho do Poema Fatal, Adélia Prado.

3 comentários:

  1. Eu não sou digno de tamanha declaração, mas por um instante me senti um rei, um rei dos momentos bons e belos que já vivemos. Obrigado por me incluir em seus planos, nos seus dias e em suas viagens.

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  2. Amiga. Seu melhor texto. Você desenvolveu lindamente! Posso até dizer que estava inspirada. Vi um post que dizia que amar é apreciar. Esse texto colou certinho com a frase. Eu sempre acreditei que amor é admiração. É incrível como essa rima visual, como diria Pablo Vilaça é observada por vc. Me lembro das empadas, das crianças que fomos, nunca mais veremos. Lembro da taça de licor que vc observou a finesse. Para ser seu tem que ser belo, tem que combinar, tem que ter a poesia e a rima virtual. Sensibilidade que só vc tem. Vc vê a extraordinariedade porque vc é extraordinária!!!

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  3. Amei o "merecidamente desqualificado" rsrsrs

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