sábado, 13 de abril de 2013



Depois de muito trabalho, realizando pesquisas na cidade de Mombaça-CE, resolvi esperar meus colegas de trabalho na biblioteca da cidade. Assim, conheci Antônio Maria Araújo de Morais. Foi amor à primeira leitura. O primeiro livro que li foi Benditas sejam as moças, uma reunião de crônicas e contos, selecionados por Joaquim Ferreira dos Santos. 
Antônio Maria, era um homem que não cabia em si, viveu muitos em pouco tempo de vida. Na verdade, ao pesquisar sobre a vida e obra de Antônio Maria, encontrei poucos textos na internet, as suas composições são belíssimas, porém poucos sabem sobre o compositor. Ele foi um homem incrível, escreveu as melhoras crônicas que a literatura brasileira já produziu. Com vocês, Antônio Maria Araújo de Morais:

EVANGELHO SEGUNDO ANTÔNIO
Ora, se um cego guiar outro cego cairão ambos no barranco
(Jesus Cristo)
E com vocês, por mais incrível que pareça, Antônio Maria. Lembram-se dele? Arão gerou a Aminadabe, Aminadabe gerou a Naasson, Naasson a Salmon, Salmon a Dona Diva, que conheceu Antônio, por obra e graça de Inocêncio, num entardecer chuvoso do Engenho Pontable.
As ovelhas, em silêncio, desciam a ladeira dos Encantos, tangidas por um pálido pastor agraciado pelo impaludismo e a esquistossomose.
Em março nascia Antônio e, após o momento dramático em que lhe foi cortado o cordão umbilical, precisou adquirir oxigênio por seu próprio esforço (a respiração) e seu alimento, pelo ato da lactação. Coitado!
Como sabeis, a lactação não é simplesmente o prazeroso processo de sugar (chupar) leite e, sim, um período transitório entre a total dependência e a separação, também total, entre filho e mãe. E que fazia Antônio? Agarrava-se, amorosamente, a sua confortável mater, vivendo, em desespero, os últimos dias do contato geral com o ser materno.
Isto aconteceu a todas as crianças, exceto a Vinícius de Moraes, que foi sempre amamentado e amado pelas mães dos outros.
Com vocês, Antônio, após dois meses sem escrever uma só palavra. Volta da infância, onde tudo (pessoas, coisas e paisagens) estava irreconhecível. A mãe tinhas olhos azuis e cabelos estrangeiros. O pai dançava surf e as irmas liam Carlos Heitor Cony, todas as manhas, em jejum. Era preciso voltar. Inventar uma desculpa, e voltar.
(…)
Cá estou eu a escrever tolices. Com imensa facilidade – convenhamos. Vivemos dias em que é preciso escrever tolices. Há uma dor preponderante em cada coração. A humanidade já não esta escolhendo entre o matar-se e o continuar vivendo. Vacila, apenas, em se a melhor solução sera abrir o gás ou tomar uma dose definitiva do sonífero mais em moda.
Então escrevamos. Escrevamos tudo sobre o nada. E nada, absolutamente nada, sobre o tudo isto, que soa as causas da nossa atitude cabisbaixa, face a Deus e às autoridades militares.
Após dois meses sem escrever uma só palavra, cá estão estas que, embora não pareça, dizem tudo. Bom dia, amigos. Bom dia, inimigos. Amai-vos e odiai-me. Trabalhai. Trabalhemos. Mas não nos esqueçamos de que o grande esforço (físico e mental), que vai depender um trabalho qualquer, tem que ser estabelecido mediante um estudo de nossa capacidade de rendimento e de resistência à fadiga. Lembrai-vos, outrossim (sempre tive imenso desejo de escrever outrossim), de que todos os prazeres da solidão, embora lícitos, soa inconfessáveis.
Com vocês, por mais incrível que pareça, Antônio Maria, brasileiro, cansado, 43 anos, cardisplicente (isto é: homem que desdenha do próprio coração). Profissão: esperança.

(Antonio Maria, 23/07/1964)

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