Depois de muito
trabalho, realizando pesquisas na cidade de
Mombaça-CE, resolvi esperar meus colegas de trabalho na biblioteca
da cidade. Assim, conheci Antônio Maria Araújo de Morais. Foi
amor à primeira leitura. O primeiro livro que li foi Benditas
sejam as moças, uma reunião de crônicas e contos, selecionados
por Joaquim Ferreira dos Santos.
Antônio Maria, era um homem que não cabia em si,
viveu muitos em pouco tempo de vida. Na verdade, ao pesquisar sobre a
vida e obra de Antônio Maria, encontrei poucos textos na internet,
as suas composições são belíssimas, porém poucos sabem sobre o
compositor. Ele foi um homem incrível, escreveu as melhoras crônicas
que a literatura brasileira já produziu. Com vocês, Antônio Maria
Araújo de Morais:
EVANGELHO SEGUNDO ANTÔNIO
Ora, se um cego guiar
outro cego cairão ambos no barranco
(Jesus Cristo)
E com vocês, por mais
incrível que pareça, Antônio Maria. Lembram-se dele? Arão
gerou a Aminadabe, Aminadabe gerou a Naasson, Naasson a Salmon,
Salmon a Dona Diva, que conheceu Antônio, por obra e graça de
Inocêncio, num entardecer chuvoso do Engenho Pontable.
As ovelhas, em
silêncio, desciam a ladeira dos Encantos, tangidas por um pálido
pastor agraciado pelo impaludismo e a esquistossomose.
Em março nascia
Antônio e, após o momento dramático em que lhe foi cortado o
cordão umbilical, precisou adquirir oxigênio por seu próprio
esforço (a respiração) e seu alimento, pelo ato da lactação.
Coitado!
Como sabeis, a lactação
não é simplesmente o prazeroso processo de sugar (chupar) leite e,
sim, um período transitório entre a total dependência e a
separação, também total, entre filho e mãe. E que fazia Antônio?
Agarrava-se, amorosamente, a sua confortável mater, vivendo,
em desespero, os últimos dias do contato geral com o ser materno.
Isto aconteceu a todas
as crianças, exceto a Vinícius de Moraes, que foi sempre amamentado
e amado pelas mães dos outros.
Com vocês, Antônio,
após dois meses sem escrever uma só palavra. Volta da infância,
onde tudo (pessoas, coisas e paisagens) estava irreconhecível. A mãe
tinhas olhos azuis e cabelos estrangeiros. O pai dançava surf e as
irmas liam Carlos Heitor Cony, todas as manhas, em jejum. Era preciso
voltar. Inventar uma desculpa, e voltar.
(…)
Cá estou eu a escrever
tolices. Com imensa facilidade – convenhamos. Vivemos dias em que é
preciso escrever tolices. Há uma dor preponderante em cada coração.
A humanidade já não esta escolhendo entre o matar-se e o continuar
vivendo. Vacila, apenas, em se a melhor solução sera abrir o gás
ou tomar uma dose definitiva do sonífero mais em moda.
Então escrevamos.
Escrevamos tudo sobre o nada. E nada, absolutamente nada, sobre o
tudo isto, que soa as causas da nossa atitude cabisbaixa, face a Deus
e às autoridades militares.
Após dois meses sem
escrever uma só palavra, cá estão estas que, embora não pareça,
dizem tudo. Bom dia, amigos. Bom dia, inimigos. Amai-vos e odiai-me.
Trabalhai. Trabalhemos. Mas não nos esqueçamos de que o grande
esforço (físico e mental), que vai depender um trabalho qualquer,
tem que ser estabelecido mediante um estudo de nossa capacidade de
rendimento e de resistência à fadiga. Lembrai-vos, outrossim
(sempre tive imenso desejo de escrever outrossim), de que todos os
prazeres da solidão, embora lícitos, soa inconfessáveis.
Com vocês, por mais
incrível que pareça, Antônio Maria, brasileiro, cansado, 43 anos,
cardisplicente (isto é: homem que desdenha do próprio coração).
Profissão: esperança.
(Antonio Maria, 23/07/1964)
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