domingo, 24 de janeiro de 2016

À Pesquisadora de emoções

Ela pediu para eu escrever, mas não sei como começar.
Começos são austeros, duros e pesarosos. Claro que depende do começo...
Desde o início de sua aparição em nossas vidas pesquisadoras, ela surgiu estranha, enigmática e misteriosa, nem sabíamos nós que estávamos diante de uma pessoa transparente, cristalina e quente, como as águas mornas do litoral sul de Pernambuco.
Praia? Ela não gosta de praia, mas isso eu só soube tempos depois, quando Ela fez questão de dormir no réveillon que passamos na praia. Dormiu o sono das espécies, como diria Adélia, minha musa religiosamente filosófica.
Voltemos a Ela, pois é uma personagem complexa, não é para ser descrita em econômicos três parágrafos. Tarefa difícil para uma lacônica literária como eu. Nelson Rodrigues estenderia o tapete para a icônica personagem. Romântica e realista, seria a personagem principal de um romance de Eça de Queiroz.
Como sou uma tímida ousada, escrevo, escreverei para Ela.
Confesso que estou buscando encontrar palavras bonitas e tocantes para descrevê-la, no entanto sinto-me como se estivesse andando na praia de manhã cedo e vendo todas aquelas conchas calmamente postas na areia, de várias cores e tamanhos, os olhos chegam a brilhar com tanto requinte da natureza. Todavia, não é permitido levar todas as conchas, é uma regra que os humanos não inventaram, mas que invisivelmente existe. Na praia é preciso ser solidário, é uma espécie de empatia que as ondas nos ensinam. Por isso, temo em escolher palavras comuns. Assim como as conchas grandes e de cores marcantes, procuro escolher palavras de efeito e fazer neologismos em homenagem a Ela que desde cedo já é.
Volvendo as gênesis. Nosso primeiro diálogo surgiu por iniciativa minha, perguntei se o seu nome era de origem francesa?
- Não. Respondeu duramente.
Pensou, coisa que não faz muito antes de falar, e respondeu que era de origem hebraica, sem interesse em prolongar a conversa.
Ela estava morna, recatada e casada. Lembro-me que fiquei surpresa ao ver sua data de nascimento no RG, sem acreditar na idade da dona da idade. Estava vazia de si e cheia de amor, mas amor demais envenena (se envenena não é amor!), e ela se envenenou tomando até a última gota daquele, que de amor só tinha o nome.
Fiquei curiosa para conhecer a vida daquela a quem chamavam de estranha. Os outros pesquisadores se aproveitaram desse meu mercúrio em escorpião e me incumbiram nessa empolgante missão. E para minha surpresa, entre coxinhas, pasteis e sukita uva, sim, sukita uva mesmo, fui conhecendo mais do que Ela estava disposta a me mostrar. Seu febril cansaço familiar não a impedia de falar, e verbalizava toda a sua indignação. Por outro lado, procrastinava seu amor próprio, numa claustrofóbica relação misógina, que por mais que tentasse preservar, aquela história não se encaixava nos valores que acreditava, e, assim, mesmo ausente de si, em momentos de lucidez chorava. Para alguns Ela é complicada, mas, na verdade, para os que não sabe eu vos digo: Ela é toda imperfeição literária, é essa imperfeição, quase transgressora, que fascina, assusta e conquista.
Especificamente naquele momento crucial de sua vida, percebi que Ela estava fechada, arredia e fragilizada. No entanto, não era assim que se sentia, acreditava que estava protegida, que tinha vencido uma batalha, conquistado o primeiro lugar no pódio daquele confuso coração. Infelizmente, ou felizmente, Ela estava equivocada. E foi preciso muitas lágrimas derramadas para formar um rio de libertação. Hoje, nesse rio, Ela se deleita com seu riso fácil e seu choro pouco controlável. Ela ama, sente, sofre, corre, conquista, tenta, perde, tenta de novo e, para minha alegria, é a minha Amiga.
 
(Lágrimas de São Pedro, exposição de Vinicius S.A)

Um comentário:

  1. Me segurei para conter as lágrimas, mas não consegui. Que coisa perfeita!!!! Eu transparente e sua percepção escorpiana, sua sensibilidade libriana... Você me surpreendeu, e este verbo para mim, é importante. É o verbo exato para os fortes, para os admiráveis. Me comparar a um romance de Eça é incrível, porque você disse como ele se exprime: romântico e surpreendente, mas principalmente, um drama que não é piegas. Por falas nisso, comecei a ler, de fato, o livro Os Maias. Quero muito que você o faça também, porque sua sensibilidade é única. Você me surpreende. Não esqueça: surpreendente é a qualidade dos fortes e admiráveis e dos autênticos também!!!! Gostei demais!!! Ganhei um presente lindo talhado em letras e você, superou-se com o tamanho do texto. Continue assim. Espero textos sobre o romance do Eça. Amo você!!!

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