domingo, 10 de julho de 2016

Pertença

Parece tão fácil escrever. A página em branco me interroga faminta, querendo interagir, ser entendida, tocada, sentida. Querida página, eu sei como você se sente, por isso estou aqui, doando o pouco que tenho. Por favor, entenda que meu pc é novo e não sei onde colocaram a interrogação. É sempre difícil encontrar algo novo quando velho, você me compreende (interroga). Você quer que eu seja honesta, se agisse dessa forma escreveria coisas que me magoariam, assim não faria sentido gastar meu tempo ouvindo o teclado frio do meu pc-novo-que-me-trouxe-desgosto. Sabe de uma coisa, a página é minha e escreverei o que me vier a telha. Sou livre, gritam as palavras presas ainda no sub, eu, malvada, prendo-as só para me sentir melhor, pensando que estou dominando, quando o ato de dominar já é uma dominação de mim para mim. De vez em quando é bom sentir pertencimento, de vez em quando não, bom seria viver todo pertencimento. Sentir que faz parte do todo, como um lençol de seda quando envolve lentamente e docemente a cama, e envolvendo-se acredita que sempre fora lençol de seda para aquela cama. Quando criança, acreditava que quando jovem sentiria, quando jovem achava que na vida adulta sentiria, quando já adulto aguardo. As pertenças não acompanham o principal, os acessórios seguem a sorte do principal, mas as pertenças não, como assim jovens neurônios... Não me entendam mal, reli o que escrevi e pareceu meio romântico, mas não é disso que estou falando, estou falando quando você sente que você pode ser você e que ser você é necessário, essencial e até importante para as engrenagens funcionarem e se movimentarem, para mim isso é pertencimento. Em alguns momentos é possível, confesso, sentir pertencer, mas momentos fugazes são, como induz, passageiros e velozes traiçoeiros, rapidamente te monstram que você não pertence a merda nenhuma. Talvez para compreender o pertencer seja necessário dissolver-se e, após o processo de resolução, reunir os pedaços antes descabidos e agora reunidos num único ser, pois só após pertencer-se a si mesmo é que poderas entender o sentimento e a necessidade do ser pertencer. Mas, sinceramente, essa última frase, inquietos dedos e silenciosas palavras, não me ajudou muito a entender o que significa pertencer, portanto, sinto que não pertenço.

domingo, 24 de janeiro de 2016

À Pesquisadora de emoções

Ela pediu para eu escrever, mas não sei como começar.
Começos são austeros, duros e pesarosos. Claro que depende do começo...
Desde o início de sua aparição em nossas vidas pesquisadoras, ela surgiu estranha, enigmática e misteriosa, nem sabíamos nós que estávamos diante de uma pessoa transparente, cristalina e quente, como as águas mornas do litoral sul de Pernambuco.
Praia? Ela não gosta de praia, mas isso eu só soube tempos depois, quando Ela fez questão de dormir no réveillon que passamos na praia. Dormiu o sono das espécies, como diria Adélia, minha musa religiosamente filosófica.
Voltemos a Ela, pois é uma personagem complexa, não é para ser descrita em econômicos três parágrafos. Tarefa difícil para uma lacônica literária como eu. Nelson Rodrigues estenderia o tapete para a icônica personagem. Romântica e realista, seria a personagem principal de um romance de Eça de Queiroz.
Como sou uma tímida ousada, escrevo.
Confesso que estou buscando encontrar palavras bonitas e tocantes para descrevê-la, no entanto sinto-me como se estivesse andando na praia de manhã cedo e vendo todas aquelas conchas calmamente postas na areia, de várias cores e tamanhos, os olhos chegam a brilhar com tanto requinte da natureza. Todavia, não é permitido levar todas as conchas, é uma regra que os humanos não inventaram, mas que invisivelmente existe. Na praia é preciso ser solidário, é uma espécie de empatia que as ondas nos ensinam. Por isso, temo em escolher palavras comuns. Assim como as conchas grandes e de cores marcantes, procuro escolher palavras de efeito e fazer neologismos em homenagem a Ela que desde cedo já é.
Volvendo às gênesis. Nosso primeiro diálogo surgiu por iniciativa minha, perguntei se o seu nome era de origem francesa?
- Não. Respondeu duramente.
Pensou, coisa que não faz muito antes de falar, e respondeu que era de origem hebraica, sem interesse em prolongar a conversa.
Ela estava morna, recatada e casada. Lembro-me que fiquei surpresa ao ver sua data de nascimento no RG, sem acreditar na idade da dona da idade. Estava vazia de si e cheia de amor, mas amor demais envenena (se envenena não é amor!), e ela se envenenou tomando até a última gota daquele, que de amor só tinha o nome.
Fiquei curiosa para conhecer a vida daquela a quem chamavam de estranha. Os outros pesquisadores se aproveitaram desse meu mercúrio em escorpião e me incumbiram nessa empolgante missão. E para minha surpresa, entre coxinhas, pasteis e sukita uva, sim, sukita uva mesmo, fui conhecendo mais do que Ela estava disposta a me mostrar. Seu febril cansaço familiar não a impedia de falar, e verbalizava toda a sua indignação. Por outro lado, procrastinava seu amor próprio, numa claustrofóbica relação misógina, que por mais que tentasse preservar, aquela história não se encaixava nos valores que acreditava, e, assim, mesmo ausente de si, em momentos de lucidez chorava. Para alguns Ela é complicada, mas, na verdade, para os que não sabe eu vos digo: Ela é toda imperfeição literária, é essa imperfeição, quase transgressora, que fascina, assusta e conquista.
Especificamente naquele momento crucial de sua vida, percebi que Ela estava fechada, arredia e fragilizada. No entanto, não era assim que se sentia, acreditava que estava protegida, que tinha vencido uma batalha, conquistado o primeiro lugar no pódio daquele confuso coração. Infelizmente, ou felizmente, Ela estava equivocada. E foi preciso muitas lágrimas derramadas para formar um rio de libertação. Hoje, nesse rio, Ela se deleita com seu riso fácil e seu choro pouco controlável. Ela ama, sente, sofre, corre, conquista, tenta, perde, tenta de novo e, para minha alegria, é a minha Amiga.
 
(Lágrimas de São Pedro, exposição de Vinicius S.A)

domingo, 6 de outubro de 2013

Que saudade


de você quando era outro
de mim quando amanheci outra
de outros
de mim
de você
de nada
que raiva
quatro
de quatro
um numeral a mais não quer dizer nada!

sábado, 13 de abril de 2013



Depois de muito trabalho, realizando pesquisas na cidade de Mombaça-CE, resolvi esperar meus colegas de trabalho na biblioteca da cidade. Assim, conheci Antônio Maria Araújo de Morais. Foi amor à primeira leitura. O primeiro livro que li foi Benditas sejam as moças, uma reunião de crônicas e contos, selecionados por Joaquim Ferreira dos Santos. 
Antônio Maria, era um homem que não cabia em si, viveu muitos em pouco tempo de vida. Na verdade, ao pesquisar sobre a vida e obra de Antônio Maria, encontrei poucos textos na internet, as suas composições são belíssimas, porém poucos sabem sobre o compositor. Ele foi um homem incrível, escreveu as melhoras crônicas que a literatura brasileira já produziu. Com vocês, Antônio Maria Araújo de Morais:

EVANGELHO SEGUNDO ANTÔNIO
Ora, se um cego guiar outro cego cairão ambos no barranco
(Jesus Cristo)
E com vocês, por mais incrível que pareça, Antônio Maria. Lembram-se dele? Arão gerou a Aminadabe, Aminadabe gerou a Naasson, Naasson a Salmon, Salmon a Dona Diva, que conheceu Antônio, por obra e graça de Inocêncio, num entardecer chuvoso do Engenho Pontable.
As ovelhas, em silêncio, desciam a ladeira dos Encantos, tangidas por um pálido pastor agraciado pelo impaludismo e a esquistossomose.
Em março nascia Antônio e, após o momento dramático em que lhe foi cortado o cordão umbilical, precisou adquirir oxigênio por seu próprio esforço (a respiração) e seu alimento, pelo ato da lactação. Coitado!
Como sabeis, a lactação não é simplesmente o prazeroso processo de sugar (chupar) leite e, sim, um período transitório entre a total dependência e a separação, também total, entre filho e mãe. E que fazia Antônio? Agarrava-se, amorosamente, a sua confortável mater, vivendo, em desespero, os últimos dias do contato geral com o ser materno.
Isto aconteceu a todas as crianças, exceto a Vinícius de Moraes, que foi sempre amamentado e amado pelas mães dos outros.
Com vocês, Antônio, após dois meses sem escrever uma só palavra. Volta da infância, onde tudo (pessoas, coisas e paisagens) estava irreconhecível. A mãe tinhas olhos azuis e cabelos estrangeiros. O pai dançava surf e as irmas liam Carlos Heitor Cony, todas as manhas, em jejum. Era preciso voltar. Inventar uma desculpa, e voltar.
(…)
Cá estou eu a escrever tolices. Com imensa facilidade – convenhamos. Vivemos dias em que é preciso escrever tolices. Há uma dor preponderante em cada coração. A humanidade já não esta escolhendo entre o matar-se e o continuar vivendo. Vacila, apenas, em se a melhor solução sera abrir o gás ou tomar uma dose definitiva do sonífero mais em moda.
Então escrevamos. Escrevamos tudo sobre o nada. E nada, absolutamente nada, sobre o tudo isto, que soa as causas da nossa atitude cabisbaixa, face a Deus e às autoridades militares.
Após dois meses sem escrever uma só palavra, cá estão estas que, embora não pareça, dizem tudo. Bom dia, amigos. Bom dia, inimigos. Amai-vos e odiai-me. Trabalhai. Trabalhemos. Mas não nos esqueçamos de que o grande esforço (físico e mental), que vai depender um trabalho qualquer, tem que ser estabelecido mediante um estudo de nossa capacidade de rendimento e de resistência à fadiga. Lembrai-vos, outrossim (sempre tive imenso desejo de escrever outrossim), de que todos os prazeres da solidão, embora lícitos, soa inconfessáveis.
Com vocês, por mais incrível que pareça, Antônio Maria, brasileiro, cansado, 43 anos, cardisplicente (isto é: homem que desdenha do próprio coração). Profissão: esperança.

(Antonio Maria, 23/07/1964)

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Se o seus olhos pudessem sentir
Se o seu coração pudesse ver
Se você soubesse do que não sei,
entenderia a reticência do meu ser!


sexta-feira, 13 de maio de 2011

Cantada (Depois de ter você)


Depois de ter você,
pra quê querer saber que horas são?
Se é noite ou faz calor,
se estamos no verão,
se o sol virá ou não,
ou pra quê é que serve uma canção como essa?

Depois de ter você, poetas para quê?
Os deuses, as dúvidas,
pra quê amendoeiras pelas ruas?
Para quê servem as ruas?
Depois de ter você...

(Adriana Calcanhoto)

***


quarta-feira, 4 de maio de 2011

É preciso amar o inútil

É preciso amar o inútil.
Criar pombos sem pensar em comê-los,
plantar roseiras sem pensar em colher rosas,
escrever sem pensar em publicar,
fazer coisas assim, sem esperar nada em troca.
A distância mais curta entre dois pontos pode ser a linha reta,
mas é nos caminhos curvos que se encontram as melhores coisas da vida.
A música. Este céu que nem promete chuva.
Aquela estrelinha nascendo ali... está vendo aquela estrelinha?
Há milênios não tem feito nada, não guiou os reis magos,
nem os pastores, nem os marinheiros perdidos... apenas brilha.
Ninguém repara nela porque é uma estrela inútil.
Pois é preciso amar o inútil porque no inútil está a beleza.

Trecho do romance
"Ciranda de Pedra", de Lygia Fagundes Telles.